20 julho 2015

Texto de Ricardo Paes Mamede para percebermos como funciona o sistema financeiro....

Aqui publico um texto de Ricardo Paes Mamede para percebermos melhor como funciona o sistema financeiro e a quantidade de dinheiro que circula em moedas e notas...
"Embora os bancos comerciais não estejam autorizados a produzir notas e moedas, eles criam dinheiro de uma forma que não é muito evidente. Fazem-no através dos depósitos bancários. Vejamos como.
Imaginem que o Banco Central Europeu (que é quem produz notas e moedas na zona euro) empresta 10 mil milhões de euros ao banco comercial “Banco que Empresta”. Com esse dinheiro, o “Banco que Empresta” pode conceder crédito aos seus clientes. Acontece que, habitualmente, os clientes do banco não levantam logo todo o seu dinheiro – e se o levantarem será para comprar um bem – por exemplo, uma casa – sendo provável que quem vende esse bem coloque de imediato o dinheiro que recebeu nalgum banco (normalmente o pagamento é feito por cheque ou por transferência, pelo que na verdade o dinheiro nunca sai dos bancos).
Ou seja, só uma pequena parte do dinheiro que as pessoas, as empresas e o Estado têm assume a forma de notas e moedas – o resto são depósitos bancários. Suponham que a proporção de dinheiro que habitualmente assume a forma de notas e moedas é 5%. Isto significa que dos 10 mil milhões de euros emprestados pelo BCE ao “Banco que Empresta” 9,5 mil milhões permanecem sob a forma de depósitos. Ora, os bancos usam esses depósitos para conceder novos empréstimos, sendo apenas limitados pelas regras prudenciais do sistema financeiro. Imaginem que essas regras estabelecem que os bancos têm de manter reservas equivalentes a 10% dos seus depósitos. Tal implica que o “Banco que Empresta”, para além dos 10 mil milhões iniciais vai poder emprestar mais 9,5 mil milhões menos 0,95 mil milhões (que têm de ficar de reserva), o que dá mais 8,55 mil milhões. E já vamos em 10+8,55=18,55 mil milhões de euros. Mas, lembrem-se, daqueles 8,55 mil milhões só 5% se transformarão em notas e moedas. O resto fica sob a forma de depósitos, que o “Banco que Empresta” pode conceder aos seus clientes sob a forma de crédito… E por aí fora.
Resumindo, um empréstimo do BCE de 10 mil milhões de euros poderá transformar-se, na verdade, em cerca 70 mil milhões de euros, a maioria deles criados sob a forma de depósitos pelos bancos comerciais. Assim conseguimos compreender que grande parte da liquidez existente nas nossas economias é criada pelos bancos comerciais - e não pelo Banco Central. Daí a importância de o sector bancário ser fortemente regulado (o que nem sempre acontece).
O exemplo acima também permite perceber que as reservas que os bancos comerciais têm na sua posse é uma pequena parte do que os seus clientes detêm em depósitos. Logo, se por algum motivo os clientes começarem a temer que o banco vai falir (como aconteceu na Grécia desde 2010) ou que o valor do seu dinheiro pode diminuir (porque há a possibilidade de os depósitos serem convertidos numa nova moeda desvalorizada, como acontece na actualidade), tenderão a preferir ter o seu dinheiro sob a forma de notas e moedas (ou outros bens), levantando todos os seus depósitos (ou seja, os 5% do exemplo acima passam a 100%). Como os bancos detêm em reservas apenas uma pequena parte dos depósitos, basta que uma proporção relativamente pequena de clientes levante todo o seu dinheiro para que o banco fique insolvente.
Ora, os bancos gregos já estavam muito descapitalizados antes da crise actual, pois desde o início da crise da zona euro, em 2010, que paira no ar o risco de falência dos bancos gregos e de uma eventual saída da Grécia da zona euro, o que levou muita gente a retirar o seu dinheiro dos bancos. Até há pouco tempo não houve grande problema porque o BCE foi aumentando os empréstimos aos bancos gregos, permitindo-lhes ir compensando a saída dos depósitos. Porém, a tensão que se gerou nas negociações dos últimos meses e as restrições do BCE ao financiamento dos bancos gregos precipitaram a situação, levando à necessidade de imposição de restrições aos levantamentos bancários e aos movimentos de capitais para fora da Grécia.
Concluindo, os bancos na Grécia ficarão fechados até que os seus clientes suspeitem que a Grécia sairá do euro. Ou até que uma nova moeda seja introduzida, permitindo ao novo Banco Central da Grécia assegurar o financiamento necessário aos bancos gregos, que o BCE deixou de fornecer. Quanto mais tempo demorar a surgir uma solução negociada, mais provável será o segundo cenário. E tanto as instituições europeias como o governo grego sabem disso.

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