08 outubro 2018

Saramago recebeu o prémio nobel da literatura há vinte anos

Há vinte anos, a Academia Real das Ciências da Suécia atribuía o Prémio Nobel da Literatura a José Saramago.
Lembrar a atribuição do Prémio a Saramago é lembrar o escritor e a sua obra de génio, é homenagear a literatura. É recordar o homem e o escritor que evoca singularmente a causa e a obra dos que nem sempre figuram, com o devido destaque, nos livros de História e na memória colectiva.
O autor de Memorial do Convento sublinha-o em Cadernos de Lanzarote, nas palavras que recupera de uma comunicação que proferiu na biblioteca de Mafra: «A satisfação de estar vivo e de criar durante o pouco tempo que por cá andamos torna-se em autocomplacência mesquinha se de caminho olvidamos ou maltratamos a herança multímoda de quem antes de nós viveu e criou, fossem eles os ignorados operários de Mafra ou o arquitecto que desenhou a obra.»
A 14 de Outubro, mês em que lhe foi atribuído o Prémio Nobel, a CGTP-IN prestou-lhe singela homenagem no decurso de uma vigília em defesa da Segurança Social e contra a revisão da legislação laboral. A vigília decorreu no Terreiro do Paço e contou com a sua presença.
Renovamos hoje a nossa homenagem.
Obrigado, José Saramago!
08.10.2018
Departamento de Cultura e Tempos Livres da CGTP-IN
 

01 outubro 2018

INTERVENÇÃO DE FERNANDO GOMES NA SESSÃO COMEMORATIVA DO 48.º ANIVERSÁRIO DA CGTP-IN

ENCONTRO NACIONAL DE DELEGADOS, DIRIGENTES E ACTIVISTAS SINDICAIS
CINEMA SÃO JORGE, LISBOA
01.10.2018
Camaradas,
 
Assinalamos hoje os 48 anos desta central sindical.
 
São 48 anos com muita história, de muitas lutas, de muitas conquistas, de construção permanente e incansável da unidade dos trabalhadores em torno da afirmação dos seus direitos e dignidade.
 
Porque é dia de aniversário, nunca é demais sublinhar as agruras por que passaram aqueles que, arriscando a vida, ousaram defender os seus ideais, a democracia, a liberdade, o livre pensamento, a dignidade do ser humano, a unidade dos trabalhadores em torno de uma central sindical que os, que nos representasse, que desse voz às injustiças, que alavancasse a sua força e determinação em construir um país mais justo, mais igual, democrático, livre, sem o cutelo da exploração do Homem pelo Homem.
 
Nós, os que aqui estamos, sabemos que assim foi. Temos o dever de saber que assim foi, que assim deve ser. Temos o dever, todos os dias, nos locais de trabalho, nos sindicatos, nas federações, nas uniões, na CGTP-IN, onde quer que um trabalhador esteja presente, onde quer que a sua luta se apresente, de honrar este percurso, aqueles que perderam a vida a lutar por esta causa, aqueles que construíram este movimento sindical que hoje celebramos e honramos.
 
Pois é, camaradas, nós que aqui estamos sabemos, nós que aqui estamos devíamos saber.
E os que aqui não estão? Os trabalhadores no local de trabalho, outros dirigentes, activistas, delegados e funcionários sindicais, a sociedade em geral?

Não podemos, não devemos deixar que esta memória seja contada apenas por terceiros.
Temos de assumir claramente esta responsabilidade.
 
E como o podemos fazer?
 
Nos locais de trabalho, nos plenários, nas inúmeras sessões de formação que pontuam a actividade anual da estrutura sindical que aqui representamos, através de iniciativas culturais, desportivas e de ocupação dos tempos livres? Sim. Nestes e noutros fóruns, sempre que a ocasião o proporcione.
 
Mas não basta a memória dos que ajudaram a construir este movimento sindical, esta CGTP-IN. Muitos encontram-se aqui hoje. A sua memória é muito importante, sem dúvida. Mas é preciso registá-la. É preciso transcrevê-la. É preciso organizá-la. É preciso armazená-la. É preciso divulgá-la.
 
Não basta a memória dos que optam por partilhar, em livro ou noutros meios, o seu percurso, as suas experiências. Ao fazê-lo, é certo, estão também a falar do seu local de trabalho, do seu sector de actividade, dos trabalhadores e das suas lutas e conquistas neste âmbito, das estruturas sindicais em que militaram. Mas não basta. É preciso complementar esta informação.
 
Porque, caros e caras camaradas,
«A memória é um espelho velho, com falhas no estanho e sombras paradas: há uma nuvem sobre a testa, um borrão no lugar da boca, o vazio onde os olhos deviam estar. Mudamos de posição, ladeamos a cabeça, procuramos [...] recompor uma imagem que nos seja possível reconhecer como ainda nossa, encadeável com esta que hoje temos, quase já de ontem. A memória é também uma estátua de argila. O vento passa e leva-lhe, pouco a pouco, partículas, grãos, cristais. A chuva amolece as feições, faz descair os membros, reduz o pescoço. Em cada minuto, o que era deixou de ser, e da estátua não restaria mais do que um vulto informe, uma pasta primária, se também em cada minuto não fôssemos restaurando, de memória, a memória.»
 
Saberá boa parte dos camaradas que estou a citar José Saramago, nos seus Cadernos de Lanzarote. E conclui assim o seu pensamento, ainda sobre a memória:
«[...] pergunto-me que inquietante memória é a que às vezes me toma de ser eu a memória que tem hoje alguém que já fui, como se ao presente fosse finalmente possível ser memória de alguém que tivesse sido.»
 
Pelo que fica dito, talvez possamos dizer que é, pelo menos, prudente, que nos acautelemos e auxiliemos esta memória.
 
E como podemos contribuir para isso? 
  • . salvaguardando o património documental e museológico que as estruturas sindicais foram acumulando ao longo do seu período de actividade;
  • não eliminando este património às cegas, sem critérios bem claros e fundamentados, na azáfama de uma mudança de instalações, na pressa em libertar espaço para um novo gabinete ou uma máquina de café, no corrupio ou no entusiasmo de uma fusão, na ressaca de uma suspensão de actividade...
E de que património falamos?
Falamos do incorrectamente chamado “arquivo morto”, de cartazes, vídeos, fotos, medalhas, pins, pinturas, bandeiras, galhardetes e outras peças de natureza museológica, livros, boletins e folhetos editados pelos sindicatos, federações, uniões, entre outra documentação.
 
Aproveito para recordar que a CGTP-IN dispõe, desde 1975, de um Centro de Arquivo e Documentação e que, desde 2006, tem vindo a prestar especial atenção aos seus arquivos e espólio museológico, identificando, organizando, preservando, divulgando. E que poderá prestar apoio técnico na medida das suas possibilidades.
 
Seria fastidioso e talvez pretensioso enumerar o resultado do trabalho realizado desde então nesta área. Desafio-vos apenas a visitar o site do Centro de Arquivo e Documentação, através do site da CGTP-IN ou em cad.cgtp.pt.
 
Camaradas,
Na CGTP-IN, estamos determinados, apesar das inúmeras dificuldades, a dar continuidade a este trabalho.
 
Mas é preciso ir mais além.
A documentação até pode existir, algures em alguma cave húmida ou algum tórrido sótão, e ser valiosa e extensa. Mas se não a identificarmos, se não a organizarmos e não a preservarmos, é como se não existisse.
 
É, por isso, fundamental conhecer a realidade da estrutura sindical no que respeita ao seu património documental com valor histórico: que documentação existe, onde se encontra, em que condições se encontra, quais as suas dimensões.
 
É por isso, também, que estamos já há algum tempo a trabalhar para reunir este património no mesmo espaço, com a dignidade que merece, com as condições de organização e preservação adequadas e com a capacidade para permitir a sua consulta e promover a sua divulgação. Como é do conhecimento público, este espaço, que será o Espaço Memória – Centro de Arquivo, Documentação e Audiovisual da CGTP-IN, situar-se-á nas instalações das oficinas da antiga Fábrica da Mundet, no Seixal, numa parceria com a Câmara Municipal do Seixal que muito agradecemos!
 
Camaradas,

Este é um trabalho difícil, moroso, muitas vezes tão pouco compreendido e pouco visível; escasseiam recursos humanos, financeiros e materiais.
 
O que há em abundância é determinação e sentido de responsabilidade.
 
A alternativa é fiarmo-nos na memória, o tal “espelho velho”, a tal “estátua de argila” a que a equipara Saramago, e deixar que outros, fora do movimento sindical, contem como foi...
 
Não me parece que queiramos que outros contem como foi…
 
Identificar, organizar, preservar. É este o nosso desígnio, para transmitir às novas gerações a história desta central sindical.
 
Viva a CGTP-IN!
 
Fernando Gomes
Comissão Executiva e Secretariado do Conselho Nacional