Não resisto a publicar:
"Carta aos 19%
A tua necessidade de
arranjar um emprego está muito acima das tuas possibilidades. É possível que a
tua necessidade de comer também esteja
Ricardo Araújo Pereira
Quarta feira, 27 de Março de
2013 |
Caro
desempregado,
Em
nome de Portugal, gostaria de agradecer o teu contributo para o sucesso
económico do nosso país. Portugal tem tido um desempenho exemplar, e o
ajustamento está a ser muito bem-sucedido, o que não seria possível sem a tua
presença permanente na fila para o centro de emprego. Está a ser feito um
enorme esforço para que Portugal recupere a confiança dos mercados e, pelos
vistos, os mercados só confiam em Portugal se tu não puderes trabalhar. O teu
desemprego, embora possa ser ligeiramente desagradável para ti, é medicinal
para a nossa economia. Os investidores não apostam no nosso país se souberem
que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar dinheiro a pessoas desempregadas.
Antigamente,
estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a
viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades.
Começamos a perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas
possibilidades. A tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das
tuas possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja.
Tens de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo
das tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.
Não
estás sozinho. O governo prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares
de funcionários públicos. Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as
rescisões não são despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é
agasalhares-te bem, porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade
que se torna difícil evitar as correntes de ar de oportunidade. Há quem sinta a
tentação de se abeirar de uma destas janelas de oportunidade e de se atirar cá
para baixo. É mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor
maneira de conseguir pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa
produzir. Aceita a tua função neste processo e não esperneies.
Tem
calma. E não te preocupes. O teu desemprego está dentro das previsões do
governo. Que diabo, isso tem de te tranquilizar de algum modo. Felizmente, a
tua miséria não apanhou ninguém de surpresa, o que é excelente. A miséria
previsível é a preferida de toda a gente. Repara como o governo te preparou
para a crise. Se acontecer a Portugal o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à
tua conta bancária confiscar uma parcela dos teus depósitos. Já não tens lá
nada para ser confiscado. Podes ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer".
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