19 outubro 2009

Seminário Europeu de Segurança e Saúde nos Locais de Trabalho (2)


Intervenção
Por Fernando Gomes
Membro do Secretariado e da
Comissão Executiva da CGTP-IN
Departamento de Segurança, Higiene e Saúde no
Local de Trabalho

A CGTP-IN está consciente da evolução positiva no tratamento dado à problemática da Segurança e Saúde nos locais de Trabalho nos últimos anos. Desde o impulso dado pela OIT com a Convenção nº155, de 1981, seguida pela adopção da Directiva 89/391/CE, logo se percebeu que, assegurar melhores condições de segurança e saúde no trabalho, é uma necessidade imperiosa numa sociedade que se quer desenvolvida e com respeito pela dignidade da vida humana. A necessidade de se assegurarem condições de Saúde e Segurança no Trabalho é inclusive, um imperativo constitucional, consagrado na Constituição da República Portuguesa de 1976.

A nível europeu, a Directiva 89/391/CE foi sem dúvida um marco importante na evolução da legislação europeia em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho, revelando, inclusive um avanço na forma como se passou a olhar para esta problemática. Mas o caminho a percorrer ainda é longo e sinuoso no sentido de se garantir que todos os locais de trabalho contribuam para a promoção da saúde física, mental e social dos trabalhadores.

Contudo, para a CGTP-IN, é importante sublinhar que, apesar dos avanços verificados desde a publicação da Directiva 89/391/CEE, muito caminho há ainda a percorrer no sentido de se garantir uma aplicação mais efectiva da legislação, para que a realidade europeia nesta matéria se torne mais harmonizada de estado membro para estado membro. Esta é sem dúvida a grande limitação que continua a persistir e que faz com que Portugal continue a ocupar a cauda da Europa em matéria de Sinistralidade Laboral.

A nível Nacional, em Portugal, a Directiva 89/391/CE deu origem à nossa Lei-Quadro da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, publicada através do Decreto-Lei nº441/91, de 14 de Novembro, que a transpôs, consagrando-se assim, o regime jurídico de enquadramento da segurança, higiene e saúde no trabalho. Pela primeira vez na história das relações de trabalho em Portugal, passou a existir um regime jurídico de enquadramento desta temática.

Na sequência da publicação deste diploma legal, os Parceiros Sociais, assinaram com o Governo um Acordo de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, em 30 de Julho de 1991. Este Acordo teve por objectivo fundamental a criação de um compromisso social que garantisse a aplicação eficaz e em tempo útil da legislação de enquadramento, bem como da sua regulamentação.

Como previsto na própria lei de enquadramento, foi publicado o Decreto-Lei nº26/94, que estabelece uma série de normas relativas à organização e avaliação dos serviços de prevenção e segurança das empresas.

Nesta fase é importante registar que de entre as várias matérias cuja previsão de regulamentação estabelecia o DL 441/91, lei de enquadramento, apenas uma ficou por publicar. Essa matéria foi o Processo eleitoral para Eleição de Representantes dos Trabalhadores para a SHST. A verdade é que, não obstante a realização de duas queixas por parte das CGTP-IN para a União Europeia, por não transposição integral da Directiva 89/391/CE, esta matéria não foi, nos anos seguintes objecto de regulamentação.

Após a instauração dos respectivos processos contra o estado português, e após a sua condenação, como resultado das queixas apresentadas, apenas em 2004, com a publicação da Regulamentação do Código do Trabalho, foi instituído legalmente o primeiro Processo Eleitoral para Eleição de Representantes para a SHST. Constatou-se que este processo é demasiado formalista e burocrático, o que dificultou a sua aplicação.

Outra evolução importante ao nível do sistema público de coordenação das políticas de Saúde e Segurança, foi a da criação do IDICT (Instituto para o Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho). Este instituto público que integrava a Inspecção do Trabalho, passou mais tarde a denominar-se de ISHST (Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho) e deixou de integrar a inspecção. Mais recentemente criou-se a ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) que passou novamente a integrar a componente inspectiva.

Após vários avanços e recuos, de várias alterações legislativas e da publicação, nos últimos 20 anos de todo um quadro jurídico que regula a temática da Saúde e Segurança, na sua maioria em resultado da transposição de directivas comunitárias, importa referir, finalmente, a criação e implementação da Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho 2008/2012, aprovada em Março 2008 pelo Conselho Nacional de Higiene e Segurança no Trabalho (CNHST), em que a CGTP-IN participa, que tenta colocar em prática a Nova Estratégia Comunitária para o período de 2007/2012.

Talvez a implementação desta estratégia, com todos os obstáculos que tal processo possa encontrar, possa resolver alguns dos problemas mais graves que se fazem sentir nesta área e que relativamente aos quais a CGTP-IN tem assumido uma posição bastante crítica, mas também de apresentação de soluções e recomendações.

Por entre vários problemas, desde a falta de uma cultura de prevenção que seja incentivada desde a escola, desde a falta de um combate sério por parte das empresas à sinistralidade, que continuam a ver a prevenção como um apêndice da sua actividade e não como um factor de produção essencial e fundamental para o seu crescimento e desenvolvimento, julgamos que uma das grandes lacunas continua a ser a falta de meios com se debate a ACT, tanto na componente Inspecção como na componente Prevenção, esta última, actualmente, a que mais dificuldades sofre para se desenvolver.

Hoje em dia, após a publicação da Lei 7/2009 (Código do Trabalho), e da sua regulamentação para a Saúde e Segurança (Lei 102/2009) perdeu-se mais uma oportunidade para a criação de mecanismos legais que tornassem a aplicação da lei mais eficaz. Desde logo, há um retrocesso conceptual, ao integrar-se a prevenção no mesmo capítulo que a reparação de acidentes e doenças profissionais, como se fossem temáticas iguais ou parecidas. É o retorno aos tempos em que a prevenção não fazia parte (como ainda não faz) dos programas universitários de direito, com consequências na forma como este Direito á prevenção é depois visto pela classe dos juristas (desde advogados a juízes). Se o direito não é conhecido, não é aplicado.

Para além do retornar desta visão mais retrógrada e subalternizada da Saúde e Segurança no Trabalho, por outro lado, a publicação da Lei 102/2009 também não traz inovações que se traduzam numa melhoria qualitativa do panorama nacional nesta matéria. Julgamos até, que o legislador tem dois discursos sobre esta matéria. Ao mesmo tempo que se publica um Código do Trabalho onde a palavra é precarizar e flexibilizar as relações de trabalho, com todas as consequências que isso possa ter para a saúde dos trabalhadores, publica-se também uma regulamentação para a Saúde e Segurança onde a palavra é “prevenir em todos os aspectos relacionados com o trabalho”. Onde ficamos? É este paradoxo, esta contradição que continua a contribuir para que Portugal esteja na cauda da Europa em matéria de sinistralidade laboral. O Trabalho seguro e salutar não é compatível com trabalho precário. Qualquer técnico o sabe, qualquer político o sabe e nós, CGTP-IN, como representantes dos trabalhadores ainda o sabemos melhor.

Um aspecto importante e quanto a nós negativo na actual Lei 102/2009 é o da recriação de uma contra-ordenação aplicável ao trabalhador que incumpre as normas da empresa em matéria de SST. Este aspecto é negativo na medida em que o único responsável pela não aplicação das regras na empresa, só pode ser o empregador. É este que tem de implementar as regras, é este que as tem de aplicar e este tem o poder de direcção e poder disciplinar que lhe permite exigir ao trabalhador a sua aplicação. Se o trabalhador persistir no incumprimento, então, aí, já entramos no domínio da responsabilidade criminal e civil, à qual a legislação, no que respeita à responsabilidade civil decorrente do incumprimento, também faz referencia, tanto para o trabalhador como para o empregador que incumpre. Não era necessário, aliás, lá colocar a possibilidade de responsabilização criminal, pois essa resulta da lei geral, que é o Código Civil Português.

Sobre o actual processo eleitoral para a eleição de representantes dos trabalhadores, nada a dizer, pois continua igual e sabendo que esta é uma figura tão importante no equilíbrio de forças e na exigência da aplicação de medidas de saúde e segurança nas empresas, a reafirmação legal de um processo tão formalista e burocrático como este, continua a ser um sinal de que o legislador não vê esta eleição como fundamental.

Por outro lado, não se alterou o regime de cálculo do número de representantes por empresa, sendo o máximo de 7 representantes, mesmo em empresas com milhares de trabalhadores e com vários estabelecimentos em todo o país. Deveria, na nossa opinião ter-se criado um critério garantindo um representante por cada conjunto de 3 estabelecimentos num raio de 100 quilómetros.

Por outro lado, a CGTP-IN entende necessário aumentar o número de créditos de horas mensais, passando a 8 horas pelo menos. Por fim, julgamos o processo de eleição muito burocratizado, com uma regulamentação ainda muito exaustiva, e que merece mais simplificação. Constatamos, por outro lado, que foi eliminada a norma que prevê o direito dos trabalhadores à formação em SHST, o que é injustificável e inaceitável.

Queremos hoje dizer que se a Directiva Quadro Europeia, de 1989 permitiu grandes avanços em Portugal em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho, em termos de definição de políticas, criação de meios e instrumentos de prevenção, informação e formação, ainda estamos longe de uma verdadeira consciencialização do mundo empresarial e da sociedade em geral. Se algumas estatísticas revelam diminuição de acidentes nalguns sectores, estes aumentam noutros sectores e se alguns riscos passaram a ser mais controlados, outros riscos emergentes obrigam-nos a outras respostas.

As estatísticas sobre os acidentes de trabalho mortais não reflectem a totalidade dos casos tendo em conta que nunca contabilizam as pessoas que vêm a falecer no hospital ou depois do acidente de trabalho. Há ainda muitos patrões que continuam a preferir pagar as multas, no lugar de investir na segurança.

Quanto à CGTP-IN, como organização sindical, estamos cientes do importante trabalho de sensibilização a realizar com a massa de trabalhadores e com os nossos quadros.

O trabalho da CGPT-IN tem em vista a sensibilização dos seus quadros e dos trabalhadores em geral, através das Federações e Sindicatos, particularmente através de Campanhas de sensibilização e acções de formação. Pretendemos dar a todos os representantes dos trabalhadores em SHST, aos delegados e quadros sindicais os instrumentos necessários para uma intervenção mais eficaz e mais qualificada.

As Estruturas sindicais sectoriais desenvolvem as suas próprias acções de formação e de sensibilização, nomadamente com o apoio do IBJC- Instituto Bento Jesus Caraça, instituto da CGTP-IN, detentor de uma grande experiência e conhecimento em formação sobre estas matérias.

A CGTP-IN está a implementar uma Campanha de Promoção da Saúde e Segurança nos Locais de Trabalho que cobre todo o território nacional e todos os sectores profissionais. Esta Campanha visa contribuir para que a acção sindical nesta área nos locais de trabalho seja mais efectiva, dotando os quadros, dirigentes e estruturas sindicais de ferramentas que aumentem a sua capacidade institucional de intervenção directa na reivindicação de melhores condições de trabalho.

Pretendemos assim, que a campanha possa constituir-se como um factor de desenvolvimento de uma cultura de participação associada à SHST, que permita ás estruturas sindicais, no futuro, proporcionarem um apoio mais efectivo às actividades ligadas a esta matéria.

Nesta campanha estamos a desenvolver um conjunto de actividades das quais destacamos:

Workshops - Sobre as prescrições de saúde e segurança, na utilização de equipamentos, nos locais de trabalho, a organização da segurança. As lesões músculo-esqueléticas e sobre os contaminantes;

Uma linha de Telefone - Para informação e esclarecimentos sobre a legislação e os direitos;

Uma Página Internet da Campanha, com acesso a documentação relativa a estas temáticas e com a animação de um Fórum Virtual, que deverá permitir um debate permanente sobre algumas matérias definidas antecipadamente e que muda cada mês;

Uma e-newsletter, com a actualidade das iniciativas organizadas no âmbito da campanha e outras actividades sindicais nestas áreas;

Um GUIA de Participação Consciente, com legislação, fichas técnicas e informações úteis, que será um instrumento muito prático para os delegados e representantes de trabalhadores na SHST.

Por outro lado, podemos referir um projecto que estamos a desenvolver em parceria com uma associação patronal, a CCP - Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, o Projecto Stress nos Locais de Trabalho. Que consiste na realização de um Estudo sobre o Stress nas empresas de comércio e serviços e no transporte rodoviário de mercadorias.

O Estudo, cujos resultados estão agora na fase de análise, deverá ajudar a definir medidas de melhoria da situação de Stress nas empresas que aceitaram participar e na experimentação da aplicação destas medidas.

Ao mesmo tempo, com base nos resultados do Estudo, será criado um Kit de Formação, com toda a documentação formativa necessária para um curso de 25 horas, dirigido a grupos de formandos compostos pelos delegados e representantes de SHST destes sectores.
Lisboa, 16 de Outubro de 2009

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